A nossa CEO, Carolina Gazoni, falou sobre os desafios da abordagem do compliance officer com o líder da empresa numa entrevista que concedeu para revista LEC.
ENTREVISTA LEC
Se o tone at the top é tão importante, os profissionais de compliance deveriam se preocupar em falar do tema de forma mais clara, simples e objetiva com seus chefes.
Um dos pilares mais importantes de qualquer programa de compliance é o que se trata do compromisso da alta administração. E não é preciso ser nenhum gênio para entender os motivos disso. Primeiro – e talvez mais importante -, quem está no nível mais alto do organograma tem o poder. Por isso, é praticamente impossível estabelecer uma cultura de conformidade sem o engajamento da liderança.
Mas, os líderes das empresas também têm de tomar decisões importantes. Para isso, buscam municiar-se de informações seguras e confiáveis sobre a situação e os riscos ao qual ele e a empresa podem estar expostos a se decidir por um lado ou por outro. O papel central da função de compliance é municiar a liderança sobre os riscos de compliance e, sempre que necessário, sugerir a eles o caminho mais adequado, ou os prós e contras de cada caminho possível (da perspectiva do compliance, que precisa ajudar a viabilizar o negócio de forma segura para a empresa). Só que essa mensagem precisa ser passada de forma adequada à realidade e à linguagem da área de compliance. Essa dificuldade linguística é o que faz com que muitos riscos de compliance não ressoem no topo das organizações como algo verdadeiramente relevante. A sócia da consultoria especializada 360º Compliance, Carolina Gazoni, conversou com a reportagem da LEC sobre o assunto.
Os profissionais de compliance estão sabendo traduzir um determinado risco de compliance para o dono ou para o CEO da empresa – que não conhece de compliance, mas precisa entender o risco daquela situação para decidir se ele o assume ou não?
Em geral, acredito que os profissionais ainda têm dificuldades de traduzir um risco de compliance para a alta gestão da empresa. E isso é reflexo do fato de que muitos deles ainda não conseguem inserir o compliance dentro da estratégia do negócio. Como não está alinhado com o que a empresa está propondo e praticando no mercado, a mensagem não chega como algo importante no topo. Nos relatórios que forem passados para a direção e para o conselho, essa informação tem que soar junto com a visão estratégica da alta gestão. Se não, é um documento sem valor, sem peso.
Hoje, é bem difundido o conceito de que não se pode falar de compliance do mesmo modo, para diferentes públicos. Para o chão de fábrica, você tem que buscar linguagens mais fáceis, filmes, coisas do dia a dia, para que eles entendam e se engajem com o tema. Já para o topo, você pode ser mais prolixo, profundo. Não seria mais produtivo simplificar para todo mundo?
Com certeza. Quando você vai levar a mensagem para o seu líder, ele tem um milhão de decisões estratégicas para tomar e muito pouco tempo para te ouvir. O risco de compliance é só mais uma das preocupações dele como líder. Você precisa dar para ele um relatório de uma folha, uma linha, com a informação mais precisa e importante que ele precisa ouvir de você e que tenha a ver com a segurança do sistema de compliance instituído. Quanto mais sucinto você for, mais ele vai conseguir captar aquilo. Se eu mando um relatório de 50 mil páginas falando de todas as investigações que foram feitas, de todos os pequenos problemas que foram apontados, o CEO vai falar: “Não dá para cuidar disso tudo”. Você tem que mostrar a importância do seu papel e não usar o relatório para exibir todo o seu trabalho, tudo o que você realizou. Ele sabe que você está lá.
Além de conhecer o negócio, é preciso também conhecer muito bem aquele que é o tomador de decisão. Entender ele, se inserir no contexto dele…
Perfeito. Você tem que ser estratégico para exercer o seu papel. É um desafio, na verdade. O profissional de compliance tem de se afastar dessa postura de achar que ele é quem está certo, que ele tem de ter autonomia e olhar um pouco para a outra pessoa, para conseguir trazer aquilo que ele acredita para uma linguagem para o interlocutor entenda e possa concordar com você. Não dá para você comunicar alguma coisa, para qualquer público que seja, se aquele captador não consegue entender a sua linguagem.
A eventual falta de atenção no topo das organizações com o compliance pode ter mais a ver com o profissional de compliance não saber falar com a liderança do que a liderança não se importar com o assunto?
Com certeza. O compliance estrategicamente tem de envolver a liderança dentro daquela demanda, para ela perceber aquilo como algo importante. Por que ele deveria considerar aquilo como algo mais importante do que a própria atividade dele? O Compliance Officer tem de trazer a liderança para dentro da atividade dele. Questionar, pedir opinião, envolvê-lo dentro daquele processo.
Tem faltado aos profissionais a capacidade de filtrar o que é realmente relevante, aqueles riscos de compliance que realmente precisam chegar ao primeiro escalão?
Sim. Acredito que o profissional precisa ser bom em fazer esse filtro. Por isso, a participação do compliance no board tem acontecido com mais frequência, para que ele possa entender a estratégica do negócio. Aí, ele consegue trabalhar as metas dele de uma forma mais harmônica, sem se distanciar. Quanto mais por dentro dessas discussões estratégicas, maior a proximidade com a liderança.
Mas isso é só falta de visão do negócio, ou estamos falando também de uma limitação técnica, de falta de conhecimento em gestão de riscos, por exemplo?
Acredito que existe sim uma limitação técnica, até porque os profissionais de compliance ainda estão aprendendo a lidar com isso. Nem todos sabem analisar um risco, priorizar, ver o impacto, a probabilidade de ocorrer … O compliance não tem a tarefa de fazer isso sozinho, por isso quando ele traz para o processo o próprio gestor, o próprio líder, ele consegue ter mais força no programa.
Mas ele não deveria ter a capacidade de identificar que, dentre 100 riscos encontrados, três são realmente importantes?
Sem dúvida nenhuma. Ele precisa entender e essa é a importância de conhecer o negócio. Se não conhece, ele vai seguir o framework, mas é mais difícil de ele conseguir avaliar esse risco. É importante que ele trabalhe com seus pares, que não se isole na caixinha exclusiva do compliance, achando que é o dono daquilo. É o líder o verdadeiro dono do risco e quem vai sofrer as consequências também. Isso é uma forma de engajar esses líderes no programa.
Publicado originariamente na Revista LEC, edição nº 24. Link do site: clique aqui.