Existem diversos instrumentos que prevêem condutas ilícitas e as respectivas sanções para crimes de corrupção ou correlatos no Brasil:
[ ii ] lei de lavagem do dinheiro – lei nº 9.613/1998: Crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores.
[ iii ] lei de licitações – lei nº 8.666/1993: Destacam-se os artigos 86, 87 e 88, que preveem sanções administrativas que podem ser aplicadas às empresas privadas, e os artigos 91, 93, 95 e 96, em que estão tipificadas condutas que podem ser praticadas por funcionários de empresas privadas participantes de licitação ou contratadas da administração pública.
[ iv ] lei de improbidade administrativa – lei nº 8.429/1992: Os dispositivos da Lei de Improbidade Administrativa também se aplicam às empresas privadas que, mesmo não sendo agentes públicos, induzam ou concorram para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficiem, direta ou indiretamente.
[ v ] lei nº 8.137/1990: Define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo. [ vi ] lei nº 7.492/1986: Define os crimes contra o sistema financeiro nacional.
[ vii ] código penal brasileiro – decreto-lei nº 2.848/40: Em relação à integridade das empresas, destacam-se: a) os crimes praticados por particulares contra a administração pública de tráfico de influência (artigo 332), corrupção ativa (artigo 333), contrabando ou descaminho (artigo 334), impedimento, perturbação ou fraude de concorrência (artigo 335); b) os crimes praticados por particular contra a administração pública estrangeira de corrupção ativa em transação comercial internacional (artigo 337-B) e tráfico de influência em transação comercial internacional (337-C).
Atualmente, a legislação brasileira está em processo de revisão sob a liderança do Ministério Público, que apresentou um pacote de alteração legislativa denominado “10 Medidas Contra a Corrupção”. O PL 4850/2016(20) foi apresentado em 29 de março de 2016 por inúmeros deputados da Câmara Federal. Paralelamente ao PL 4850/2016, o PDC 420/2016 e o PLS 268/2016 também versam sobre corrupção e crimes correlatos, assim como o PL 1701/2011 e o PLS 664/2011, duas proposições sobre proteção ao denunciante de corrupção que estão paradas há algum tempo.
A Lei nº 12.846/2013, de 1º de agosto de 2013, conhecida como Lei Anticorrupção ou Lei da Empresa Limpa, instituiu no Brasil a responsabilização objetiva administrativa e civil das pessoas jurídicas pela prática de atos lesivos que sejam cometidos em seu interesse ou benefício, contra a administração pública, nacional ou estrangeira.
A aprovação da lei despertou grande interesse e atenção sobre o tema do combate à corrupção e tem motivado intensas discussões no setor empresarial brasileiro, sobretudo diante da preocupação das empresas quanto à possibilidade de arcar com sanções severas no âmbito de um processo administrativo de responsabilização.
Para além do seu caráter punitivo, a referida lei também atribui especial relevância às medidas anticorrupção adotadas por uma empresa, que podem ser reconhecidas como fator atenuante em um eventual processo de responsabilização. O conjunto dessas medidas constitui o chamado Programa de Integridade.
A espécie de responsabilidade imposta para as pessoas jurídicas, no contexto da lei, é a objetiva, a qual não exige comprovação de dolo ou culpa para se determinar a responsabilização, bastando a verificação do ato ilícito e do respectivo autor. Por outro lado, a responsabilidade específica dos administradores e dirigentes das sociedades será avaliada de forma independente da responsabilidade da pessoa jurídica.
Fato é que, ainda que restrita às pessoas jurídicas, a fixação da responsabilidade objetiva implica um ponto de extrema atenção, uma vez que as empresas não podem controlar todos os seus empregados o tempo inteiro. Como a lei não exige a necessidade de prova de culpa da pessoa jurídica, a empresa será responsabilizada ainda que não tenha concordado, autorizado ou tenha tido ciência prévia do ato ilícito praticado por um gestor ou funcionário.
Assim, discorreremos sobre o conceito de Programa de Integridade em consonância com a Lei nº 12.846/2013 e sua regulamentação pelo Decreto nº 8.420/2015, de 18 de março de 2015, combinando essas informações com diretrizes que possam auxiliar as empresas a construir ou aperfeiçoar políticas e instrumentos destinados à prevenção, detecção e remediação de atos lesivos à administração pública, tais como suborno de agentes públicos nacionais ou estrangeiros, fraude em processos licitatórios ou embaraço às atividades de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos.
O Decreto nº 8.420/2015 definiu no seu art. 41 o que é Programa de Integridade: “Programa de integridade consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira.”
Diante do conceito acima, verifica-se que o Programa de Integridade tem como foco medidas anticorrupção adotadas pela empresa, especialmente aquelas que visem à prevenção, detecção e remediação dos atos lesivos contra a administração pública nacional e estrangeira previstos na Lei nº 12.846/2013.
De uma forma geral, os mesmos critérios estabelecidos nas demais legislações e orientações internacionais sobre o tema, da OECD, FCPA, UK Bribery Act (exaustivamente abordados no presente curso) são replicados na legislação nacional. Segundo o documento “Programas de Integridade – Diretrizes para empresas privadas”, publicado pela Controladoria Geral da União(21), os pilares estabelecidos na regulamentação são os mesmos que descritos no presente curso:
[ ii ] instância responsável pelo programa de integridade: Qualquer que seja a instância responsável, ela deve ser dotada de autonomia, independência, imparcialidade, recursos materiais, humanos e financeiros para o pleno funcionamento, com possibilidade de acesso direto, quando necessário, ao mais alto corpo decisório da empresa.
[ iii ] análise de perfil e riscos: A empresa deve conhecer seus processos e sua estrutura organizacional, identificar sua visão geral, área de atuação e principais parceiros de negócio, seu nível de interação com o setor público – nacional ou estrangeiro – e consequentemente avaliar os riscos para o cometimento dos atos lesivos da Lei nº 12.846/2013.
[ iv ] estruturação das regras e instrumentos: com base no conhecimento do perfil e riscos da empresa, deve-se elaborar ou atualizar o código de ética ou de conduta e as regras, políticas e procedimentos de prevenção de irregularidades; desenvolver mecanismos de detecção ou reportes de irregularidades (alertas ou red flags; canais de denúncia; mecanismos de proteção ao denunciante); definir medidas disciplinares para casos de violação e medidas de remediação. Para uma ampla e efetiva divulgação do Programa de Integridade, deve-se também elaborar plano de comunicação e treinamento com estratégias específicas para os diversos públicos da empresa.
[ v ] estratégias de monitoramento contínuo: É necessário definir procedimentos de verificação da aplicabilidade do Programa de Integridade ao modo de operação da empresa e criar mecanismos para que as deficiências encontradas em qualquer área possam realimentar continuamente seu aperfeiçoamento e atualização. É preciso garantir também que o Programa de Integridade seja parte da rotina da empresa e que atue de maneira integrada com outras áreas correlacionadas, tais como recursos humanos, departamento jurídico, auditoria interna e departamento contábil-financeiro.
Para se formatar um programa adequado, portanto, é fundamental que as empresas reconheçam os riscos de sua atividade em relação aos atos lesivos previstos na lei. Segundo a Lei Anticorrupção, são atos lesivos à administração pública nacional e estrangeira:
[ ii ] Comprovadamente financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos nesta lei.
[ iii ] Utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados.
[ iv ] Atos lesivos à administração pública que dizem respeito especificamente a licitações e contratos:
– Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público;
– Impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público;
– Afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo;
– Fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente;
– Criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo;
– Obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou
– Manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública.
Um ponto relevante de preocupação do legislador nacional são as práticas de negócios para participação em licitações e contratos públicos. Apesar da grande discussão jurídica envolvendo os demais mecanismos jurídicos que regem essa relação (como a Lei 8.666), fato é que o legislador se preocupou em incluir disposições diretamente relacionadas com o foco da relação público-privada.
Nesse sentido, cada empresa, no seu setor de atuação, deve avaliar de forma cautelosa como tais condutas podem ser evitadas, controladas e monitoradas. Algumas atividades, entretanto, possuem em si mesmas uma natureza tal que merecem especial destaque:
[ ii ] contato com agente público ao submeter-se à fiscalização: O contato com agentes públicos nessa situação pode levar funcionários ou terceiros a oferecer vantagens indevidas, ou ceder a solicitações, com o intuito de influenciar o resultado da fiscalização.
[ iii ] contratação de agentes públicos: Ao contratar agentes públicos, a empresa deve ter especial diligência para verificar se a escolha foi feita em razão do acúmulo de conhecimento do agente público e com o intuito de prover aconselhamento técnico às decisões da empresa. Caso contrário, pode haver a impressão de que a contratação tem como objetivo possibilitar um acesso facilitado a órgãos ou autoridades, ou obter informação privilegiada. Procedimentos adicionais podem ser estipulados para verificar se a remuneração estabelecida está condizente com a qualidade e relevância do serviço prestado pelo agente público, de forma a evitar que algum pagamento indevido esteja sendo dissimulado como prestação de serviço. Além disso, a contratação de pessoas ligadas a agentes públicos (familiares, sócios, etc.) pode acobertar o pagamento de uma vantagem indevida. A empresa deve também verificar se o agente público pode, de fato, ser contratado, de acordo com a regulação de conflito de interesses.
[ iv ] contratação de ex-agentes públicos: Na eventual contratação de ex-agente público, a empresa deve verificar se ele não está obrigado a cumprir um período de afastamento do setor em que atuava quando era servidor ou empregado público (quarentena). Procedimentos adicionais podem ser estipulados para verificar se a remuneração estabelecida está condizente com a qualidade e relevância do serviço prestado, de forma a evitar que uma promessa anterior de vantagem indevida – feita enquanto o agente estava em exercício – esteja sendo dissimulada como prestação de serviço.
[ v ] oferecimento de hospitalidades, brindes e presentes a agentes públicos: O oferecimento de cortesias a agente público ou pessoas a ele relacionadas pode ser caracterizado como pagamento de vantagem indevida. Se a empresa efetua relações comerciais com outros países ou pretende ingressar no mercado internacional, ela deve ter atenção redobrada nesse assunto, sob pena de se caracterizar o suborno transnacional.
O Programa de Integridade é, assim, um elemento de defesa da empresa. Conforme visto no presente curso, é importante que a empresa possua documentação de todas as ações implementadas, para fins de comprovação da sua efetividade. Existem, paralelamente, regulamentações inferiores emitidas por órgãos distintos de controle, em diversos níveis – federal, estadual e municipal – que podem ser aplicáveis a cada caso, tais como as Portarias nº 909 e 910/2015(22), editadas pela Controladoria-Geral da União (CGU).
As informações sobre a legislação nacional anticorrupção brasileira, especialmente sua interpretação e aplicação, estão sendo construídas a partir do último ano. Existem muitas discussões envolvendo o tema (i) relacionadas à pulverização de sua aplicação (qualquer autoridade máxima de qualquer nível de governo, ou órgão descentralizado, pode abrir, por exemplo, um procedimento administrativo de responsabilização – PAR, pela identificação dos atos ilícitos previstos na lei); (ii) relacionadas à responsabilização de empresas controladas, subsidiárias ou associadas; (iii) ou à possibilidade e vantagens de celebração de acordos de leniência. Ainda não temos uma referência sólida ou informações detalhadas sobre o entendimento jurídico e efetiva aplicação da lei e seu regulamento.
Até o próximo artigo!