Perguntamos aos participantes do programa Compliance Mastermind, profissionais responsáveis por tocar o compliance em empresas de diferentes portes e segmentos, o que mais os desafia e lhes move na busca pelo aperfeiçoamento profissional para lidar com as demandas de uma área em permanente evolução.
Não se pode dizer que compliance seja uma carreira já estabelecida no mercado. Afinal, a área ainda é novata no ambiente corporativo. Entretanto, é possível dizer que nela já atuam alguns “jovens veteranos”, profissionais visionários, que enxergaram uma oportunidade de navegar e se destacar num tema inexplorado até bem pouco tempo atrás, que recebia pouca ou nenhuma atenção de estudantes e profissionais em início de vida profissional. Outro grupo de “jovens veteranos” é composto por profissionais que foram recrutados em outros setores para uma missão: liderar, ou mesmo montar do zero, o departamento de Compliance nas empresas em que trabalhavam.
Esse movimento foi acelerado pela publicação da Lei Anticorrupção brasileira, e, também, com a incorporação de uma visão mais estruturada sobre o papel e o funcionamento da área por mais empresas multinacionais e locais.
Quem acreditou no potencial e na importância que a área poderia vir a ter – especialmente em um País como o Brasil – e deu um jeito de “correr atrás” para aprender mais sobre o tema, se beneficiou de um mercado que, já faz algum tempo, tem uma demanda muito grande por pessoas qualificadas.
Na melhor tradição de quem trabalha com compliance, esses profissionais foram “flechados” pelo tema. Para eles, o trabalho se mistura com paixão e senso de dever, embora todos tenham muito claramente que a função primordial dos seus respectivos postos não é a de atuarem como paladinos da ética e da moral, mas sim, a de manter suas respectivas empresas o mais seguras possível contra riscos de descumprimento de regulações e más condutas de negócios.
A jovialidade da área fez com que esses profissionais não tivessem muita escolha, que não a de estabelecer uma linha de estudo muito mais prática, a partir de necessidades bastante reais do trabalho, adquirindo habilidades que um acadêmico, estudioso da área, dificilmente terá. Ao final dia, a verdade é que compliance é um trabalho muito mão na massa.
NÃO PODE PARAR
Se existe uma verdade daquelas contra as quais não existe argumento, é a de que não existe rotina em compliance. É claro que é um trabalho que envolve muitos processos e documentações, mas, especialmente para quem lidera a área, é mandatório estar sempre aprendendo, se reinventando para acompanhar não só as mudanças nas leis e regulações que podem lhe obrigar a fazer alterações no programa de compliance; mas, principalmente, em função das mudanças na sociedade, que impactam as empresas em diferentes frentes – muito menos óbvias do que uma nova lei que estabelece (quase sempre) o que você pode ou não pode mais fazer. São eventos que, de forma um tanto quanto imprevisível, podem virar de cabeça para baixo a forma como as companhias se relacionam com seus funcionários e clientes. Dada a sua natureza, também são muito mais difíceis de serem interpretadas da perspectiva do compliance, que continua sendo uma atividade cuja efetividade depende muito das pessoas acreditarem no que você diz a elas.
Profissionais com essa experiência precisam de um ambiente com outros profissionais como ele para trocar ideias, discutir conceitos ou mesmo tirar dúvidas. Afinal, alguns dos desafios que um deles enfrenta no comando da área hoje, certamente já foram vivenciados por outro colega. Ao mesmo tempo, a vivência dele pode ajudar outros profissionais de liderança a terem uma visão diferente e arejada de um determinado problema com que lidam em suas companhias.
O programa Compliance Mastermind foi criado pela LEC para reunir um pequeno e exclusivo grupo de profissionais em torno de experiências exclusivas, capazes de agregar algo novo e único para pessoas que estão sempre em busca de conhecimentos para aperfeiçoar sua atuação profissional e levar seus times a patamares de excelência ainda mais altos. O Compliance Mastermind é dedicado exclusivamente para quem ocupa posição de gestão na área de compliance, criando um ambiente restrito, de altíssimo nível. O programa é anual e seu ciclo tem início após a realização do Congresso Internacional de Compliance. No seu evento inaugural, o Compliance Mastermind trouxe uma aula especial do Procurador Deltan Dallagnol, que apresentou em detalhes a evolução dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro no Brasil e no Mundo e de como as autoridades têm quebrado a cabeça para enfrentar casos cada vez mais sofisticados. Por mais de duas horas, o coordenador da Força Tarefa da Lava Jato não se absteve de responder aos questionamentos e pedidos de esclarecimento dos participantes do Compliance Mastermind em temas relacionados a mecanismos para definição de multas, o papel das instituições financeiras no combate à corrupção e sobre como ele avalia o arcabouço regulatório brasileiro.
GERANDO CONHECIMENTO PARA TODOS
Apesar de ter como objetivo principal a evolução e o aperfeiçoamento profissional dos membros do grupo, a importância do Compliance Mastermind extrapola os limites do programa em si. A diversidade de perfis e vivências dos seus participantes oferece um caldo rico, cheio de histórias, permitindo o debate de ideias que podem ajudar a direcionar os caminhos do futuro do compliance no Brasil.
A revista LEC também quer compartilhar um pouco dessa riqueza profissional com os seus leitores. Confira nas próximas páginas, no que os “Compliance Masterminds” têm pensado em termos de evolução e futuro do compliance.
Para além dos desafios do dia a dia, que já são muitos e complexos, existe algum grande tema de Compliance – seja ele novo ou velho – que lhe “tira o sono”? Algo para o qual você dedica reflexões e pensamentos em busca de uma resposta, que talvez não exista, mas que lhe move a pensar em formas de como avançar com o papel da área de Compliance?
Carolina Gazoni [CEO da 360 Compliance]: Como provar, comprovar, atestar, demonstrar que o resultado financeiro não pode ser o único resultado pretendido por uma organização? Seria este um desafio da área de Compliance, mudar a consciência das pessoas? Há, de fato, uma diferença entre o papel desempenhado pelas empresas no mundo, daquele desempenhado pelas pessoas, no que diz respeito à ética e honestidade? Estas são questões às quais tenho dedicado muitas reflexões.
Alexandre Serpa: A questão de esclarecer às pessoas que o programa de compliance não é uma nova forma de ética, mas sim um tema de gestão de riscos, que deve sempre levar em conta o apetite de riscos de cada empresa. O compliance não pode ser visto como a solução para todos os problemas éticos da sociedade. Há sim um efeito que o programa de compliance corporativo leva às vidas das pessoas que trabalham nas empresas que contam com bons programas de compliance, mas isso é um subproduto (extremamente positivo), não sua função primária.
Daniel Sibille: Um tema importante que tenho visto tanto do lado de profissionais de empresas, quanto de escritórios de advocacia, é a aparição dos chamados “especialistas”, que não têm conhecimentos sólidos na área. Vejo, de forma até bastante rotineira, profissionais sem nenhuma experiência assumindo e implementando programas de compliance em empresas de pequeno, médio e até grande porte, sem ter a menor ideia do que estão fazendo. Isso é bastante problemático, porque a concorrência entre os prestadores de serviços especializados certamente aumentou demais, e a busca por preços mais baixos nem sempre é a melhor opção. Hoje, existem empresas fazendo toda a implementação do programa de compliance por valores irrisórios. Ainda que seja um primeiro passo, esse programa não será aderente à empresa e não cobrirá os riscos, já que sequer é feita uma análise de risco efetiva. Já do lado dos profissionais que têm assumido posições de responsabilidade sobre a área dentro das empresas, além de muitos não terem a experiência devida, talvez não tenham as soft skills necessárias para desempenhar a função. Experiência a gente adquire, foi assim comigo e vai ser com outras pessoas. Não é esse o problema. Mas sim, profissionais grossos, que não conseguem ser gentis com colegas de outras áreas, sem a capacidade de estabelecer uma comunicação eficiente ou, pior, com problema de integridade efetiva. É preciso atentar para essas pessoas.
Daniela Leme: Um tema que me faz refletir é o da responsabilidade do compliance officer nos crimes comissivos por omissão, entendidos como sendo aqueles em que o agente responde pelo crime, uma vez que atua na posição de garante do bem jurídico tutelado. Há ainda muita discussão doutrinária sobre o assunto, quando o garante é visto como o compliance officer. Entretanto, entendo que o compliance officer, para estar enquadrado nesse tipo legal, deve possuir os mesmos poderes de mandato conferidos aos sócios e administradores. Penso que a disseminação da cultura de compliance em uma empresa deve pautar-se na responsabilidade de todos os seus funcionários, a partir do momento em que assinam seu contrato de trabalho e suas respectivas políticas de conduta. Essa mentalidade da accountability, se bem implementada através de treinamentos e disseminada através de meios de comunicação, é capaz de promover a transformação de uma empresa, sua própria cultura e das pessoas. O compliance officer deve ser visto como um instrumento de meio e não um fim de um programa de integridade.
Alessandra Gonsales: O convencimento da liderança – não apenas do top management, mas também de diretores e gerentes – ainda é um grande desafio. Mesmo em empresas que implementaram os pilares do programa, encontramos casos nos quais o compliance não é efetivamente vivenciado dentro da organização. Muitos líderes ainda não compreenderam sua relevância e o quanto que o compliance pode ajudá-los na tomada de decisões, que continua sendo deles e não do compliance officer. O compliance é um instrumento essencial para mitigação de riscos que podem afetá-los diretamente. Nos treinamentos que faço para líderes das empresas sempre brinco que eles precisam fazer a área de Compliance trabalhar ao máximo, para que eles possam “dormir tranquilos”.
Felipe Faria: A área de Compliance é uma realidade recente para a maioria dos empresários e também para membros de conselhos, acionistas e outros stakeholders. Por mais que os profissionais saibam o que estão fazendo, me parece que a integração da alta administração com a área é um ponto que exige bastante reflexão. Como informá-los sobre as atividades e mantê-los na linha de frente do programa de compliance (onde eles devem estar), uma vez que, não raro, eles entendem pouco sobre o tema? Nas escolas de negócios, a matéria ainda não é tratada com profundidade suficiente, diferentemente do que acontece com outras áreas, como finanças, por exemplo. Não quer dizer que a maioria dos empresários e gestores não consigam compreender as ações de conformidade.
Pelo contrário, em minha experiência, eles querem participar. Mas, essa comunicação e até a forma como eles podem liderar algumas ações dentro do programa, são questões pouco exploradas, embora me pareçam importantíssimos como tema. Faz parte de uma mudança de paradigma, porque não adianta a alta administração mandar um e-mail, de vez em quando, falando do programa de compliance.
Gustavo Lucena: Muito se tem feito de uns cinco anos para cá. Agora é preciso lapidar o programa de compliance não fazendo mais do mesmo. É preciso investir na cultura de compliance na companhia. Aonde todos os colaboradores pensam e agem em cumprir regras. Treinar e aculturar os gestores de negócios será um esforço contínuo do profissional da área, para que a cultura de compliance sempre esteja implantada na empresa. Para isso, o conceito “Medida Disciplinar” não pode gerar uma cultura do medo, em que os erros não são comunicados e não são permitidos. As empresas precisam buscar o conceito de “Just Culture” ou “Cultura Justa”, na qual o gestor pode ser uma segunda vitima do próprio erro, do processo operacional, ou até mesmo da companhia que não o preparou adequadamente para conhecer todos os riscos que ele deveria gerir. Na “Cultura Justa”, os gestores não são punidos por ações, omissões ou decisões tomadas por eles quando essas são proporcionais à sua experiência e treinamento. Em compensação, negligência, violações intencionais e atos destrutivos não são tolerados. Nesse ambiente, os gestores possuem vontade e liberdade para reportar seus erros, contribuir com a melhoria contínua e ajudam o profissional de compliance a evoluir com seu programa de compliance, a partir do conhecimento e da contribuição dos gestores do negócio.
Camila von Acken: Um tema sobre o qual reflito bastante é como manter uma boa cultura empresarial tendo em vista o crescimento exponencial de algumas áreas do negócio. Considero a cultura corporativa minha maior aliada, portanto, me preocupo muito em como mantê-la viva e levá-la rapidamente para os novos funcionários, já que temos pessoas com as mais variadas culturas. Uma cultura favorável previne problemas e também incentiva funcionários a reportarem fatos que eles enxergam e não concordam, ou não acredita serem aquelas, situações que deveriam ser toleradas apenas pela questão da cultura. Vejo um trabalho com RH e com outras áreas que vestem a camisa da cultura da empresa como essencial para prevenir problemas que possam gerar consequências à área de Compliance.
Sergio Loureiro: Acredito que o maior desafio seja a implementação de uma cultura eficiente de compliance. Quanto maior e mais tradicional for a empresa, maior será o desafio para implementar uma mudança cultural. E por que esta mudança na cultura é essencial ao compliance? No passado, certos desvios éticos eram socialmente aceitos. A ausência de sanções significava permissividade para realização do ato. Hoje, porém, mesmo com todas as ferramentas, controles e regramentos da área de Compliance, é fundamental a participação e a conscientização de cada colaborador. Caso contrário, o programa de compliance certamente ficará prejudicado. Não haverá programa de compliance efetivo se apenas um setor for designado como responsável por garantir a integridade de toda a empresa. O compliance é cada um de nós, é a nossa conduta dentro da companhia.
Marilia Zulini: O grande desafio é como mudar a convicção das pessoas, fazê-las acreditar que agir sempre do jeito certo, com ética e dentro das regras, é possível e é o melhor para elas, para a empresa e para a sociedade. Mudando a convicção das pessoas, muda também a cultura da empresa, para o caminho da ética e da integridade. Nesse cenário ideal, as pessoas sentem orgulho de trabalhar na empresa, há menor necessidade de controles e menos punições. É nisso que dedico minhas reflexões diárias e conversas com a equipe.
Igor Silva: Acho que um aspecto dentro da área de Compliance que pode ser melhorado é a definição de KPI´s (indicadores de performance) capazes de medir a eficiência do programa de compliance. Não tenho observado literatura no Brasil que cite esses aspectos. Acredito que por ser uma área na qual as empresas têm dedicado especial atenção nos últimos anos, em decorrência da Lei Anticorrupção, a tendência é que isso possa ser apresentado de forma mais elaborada nos próximos anos por profissionais, veteranos e novos, de Compliance no Brasil.
Sergio Pinto: Eu acho que a nova lei de privacidade, o comportamento nas redes sociais e, também, o uso de inteligência artificial em compliance são assuntos que vão requerer mais atenção e foco de todos nós nos próximos anos.
Massamitsu Iko: Creio que existam temas muito recentes como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e os riscos de segurança cibernética que nos trazem mais preocupação. Ainda existem muitas incertezas sobre a LGPD e o prazo para adaptação não é muito grande. No caso dos crimes cibernéticos, os riscos são enormes e os mecanismos de mitigação não evoluem na mesma velocidade que esses riscos surgem. Agora, a grande reflexão – e o que mais me preocupa em relação ao trabalho – é determinar o que é um compliance efetivo, quais fatores devem ser considerados para afirmarmos o que é efetivo. E o que nós podemos fazer em um ambiente de recursos escassos e apoio moderado do top management para manter um compliance efetivo.
Matheus Cunha: O tema para o qual dedicado 100% dos meus estudos é, justamente, sobre “a efetividade dos programas de compliance”. As concepções “compliance = conformidade” ou “fazer porque a lei manda” são, em minha opinião, um equívoco. O compliance destina-se a instituições, sejam elas públicas ou privadas, as quais são compostas de pessoas. Estas pessoas praticam ações, as quais causam resultados. Se um programa de compliance se preocupar apenas com criar normas de conduta e controles internos para mitigação dos riscos, pode estar fadado ao fracasso, especialmente no viés da prevenção. Primeiro, porque as ações das pessoas são baseadas também em suas experiências e crenças, que se não forem fundadas nos valores da ética e integridade, tendem recair em ilicitudes, especialmente quando não são observadas. Já o “bypass” em controles é maior causa de fraudes corporativas, segundo a ACFE (associação que reúne especialistas em prevenção de fraudes). Por isso, penso que os programas de compliance precisam ser repensados para trabalhar com a cultura das instituições, abrindo espaço para a disseminação e conscientização de valores e princípios e, também, para o sentimento de pertencimento de cada stakeholder. Mas a real efetividade deles, assim como a forma de avaliá-los e garanti-los, são, para mim, as perguntas de um milhão de dólares.
Patricia Punder: Sim. A questão da efetividade dos programas de compliance me tira o sono. Existem muitas, mas muitas empresas com programas que não são de fato efetivos. Alguns não são efetivos propositalmente, pois o negócio não acredita em compliance. O programa existe devido à legislação e para participar de licitações. Outras vezes, o negócio considera apenas uma onda que vai passar e que o que vale, de fato, são os contatos que os profissionais da área de negócio possuem. Apesar do pensamento retrogrado mencionado, acredito que o compliance é parte de um movimento disrupitvo no mundo dos negócios. Agir com ética e dar lucro é a grande tendência do mercado atual. Empresas que pensam e agem assim serão as reais líderes de mercado e terão acionistas, clientes e funcionários cada vez mais satisfeitos.
Rogério Moleiro: Minha meta diária é: quem eu vou ajudar hoje, como eu posso contribuir para que a empresa ou algum funcionário me veja como parceiro para melhorar algo? E isto não tem preço! As pessoas valorizam compliance pela segurança que podemos proporcionar, quer seja em ações preventivas, com treinamentos interativos e engajadores, ou como business partners atuantes para acompanhar e recomendar caminhos para os desafios e dilemas éticos aos quais os negócios estão sujeitos diariamente.
Publicado originariamente na Revista LEC, edição nº 23. Link do site: clique aqui.