A investigação no programa de compliance

A investigação é um elemento do programa de compliance necessário para cortar o mal pela raiz, e evitar que a organização seja exposta a agentes externos pela conduta ilegal ou antiética (ou, ainda, antes que a Polícia Federal bata em sua porta, o que pode até parecer um filme de ficção).

Denúncias (reclamações internas) e investigações são provavelmente a primeira (ou possivelmente a única) oportunidade para que a organização receba um problema, confira o que aconteceu e o resolva direta e internamente (corrija). Lembramos: enquanto grande parte do programa de compliance é sobre a prevenção, a detecção de problemas e questões é seu par inseparável, e as principais ferramentas de detecção de questões não conformes são a denúncia interna ou externa e os processos de investigação.

Situação atual

Atualmente, há muitos casos recentes na mídia sobre processos de investigação recorrentes de denúncias devido a fraudes financeiras, superfaturamento de contratos públicos, corrupção, lavagem de dinheiro e outros aspectos criminais. Entretanto, a grande maioria das investigações conduzidas em ambientes corporativos são decorrentes de queixas de colaboradores ou terceiros sobre assédio moral ou sexual, discriminação, retaliação, ameaças e violências no ambiente de trabalho.

Para criar um programa de investigações, primeiramente deve-se coletar todos e quaisquer aspectos e possíveis fontes de informação para denúncias de todos os tipos, definir as pessoas que podem ter a habilidade e competência para conduzir o processo internamente, desenhar a estrutura do processo, considerar se políticas e procedimentos serão necessários, agendar um cronograma de implementação.

Usualmente, os aspectos a serem investigados e fontes de informação podem ser apresentados pelos colaboradores e executores das atividades diárias da organização, pois estes costumam saber onde estão as questões perigosas ou problemáticas. A grande questão está em como obter essas informações de forma real e fidedigna. O programa de compliance efetivo controla a obtenção dessas informações e permite com que os colaboradores ou terceiros se sintam seguros para apresentar informações relevantes sobre problemas ou questões de atenção no ambiente corporativo.

Assim, a primeira tarefa para um programa de investigação é a identificação das várias formas de informação, que consistem naquelas pessoas que comumente estão na linha de frente e que possuem um papel natural para o recebimento de queixas e relatos. A segunda é criar ou utilizar as várias formas já existentes para estimular a apresentação de denúncias, e encorajar tal atitude. E a terceira, determinar como os diferentes tipos de denúncia serão tratados.

A realidade é que muitas informações sobre compliance ou questões serão transmitidas diretamente de pessoa a pessoa dentro da organização e o Compliance Officer (CO) precisa estar atento para assegurar que a informação esteja sendo devidamente encaminhada para o gestor, investigação e/ou resolução.

Uma vez que as fontes de informação forem determinadas e a estrutura do programa de investigação definida, as pessoas designadas para conduzir ou para receber as informações precisarão ser treinadas para poder localizar os problemas e sua significância, responder apropriadamente para a pessoa que levantou a questão, inclusive endereçando as dúvidas sobre confidencialidade, levar o assunto à pessoa adequada e em tempo oportuno, preparar monitoramento contínuo e assegurar que o problema foi resolvido e que nenhuma retaliação está acontecendo.

Raramente o CO ou departamento de compliance possui a capacidade de resolver e conduzir todos os processos de investigação de uma organização. O que é necessário, entretanto, é que este tenha condições de ter uma visão ampla do processo de investigação, para que possa apresentar um panorama geral ao conselho ou órgão diretivo da organização, e mais particularmente dos problemas relacionados com risco mais alto, como desvios de conduta de executivos, desvios financeiros, fraude ou corrupção. O departamento de compliance deve ter, no mínimo, visibilidade, possibilidade de comunicação e coordenação de todos aqueles que conduzem a investigação.

Tipos de estruturas

As estruturas de programas de investigação podem ser centralizadas, semicentralizadas ou descentralizadas.

  • Nas estruturas centralizadas, todas as investigações são conduzidas por um grupo central de pessoas, que é responsável por treinar os investigadores e conduzir os processos. Este grupo ou é parte integrante do departamento de compliance, ou relata os resultados.
  • Na semicentralizada, mais de um grupo de pessoas é responsável, e este é definido por tipo ou natureza da alegação, sendo que cada um dos grupos deve reportar os resultados ao departamento de compliance.
  • E, por fim, nas descentralizadas, vários grupos conduzem a investigação e não há reporte consolidado para o departamento de compliance, que possuirá seu próprio mecanismo de monitoramento.

O papel do departamento jurídico no âmbito dessas estruturas também deve ser definido, e normalmente é adequado que um advogado acompanhe o processo de investigação e auxilie na identificação das questões legais envolvidas. Todas as questões que envolvam alto risco devem ser necessariamente acompanhadas por um advogado externo ou interno.

Sobre a confidencialidade e sistema de controle

Os processos de investigação conduzidos em uma organização são confidenciais. A confidencialidade é importante porque protege a integridade da evidência e da investigação em si mesma, além de ajudar a minimizar o risco de retaliação contra as pessoas responsáveis pela denúncia. Esse aspecto deve ser previamente informado e estar expressamente previsto nos documentos organizacionais.

Outro ponto refere-se ao sistema de controle e monitoramento para gestão das investigações. Este pode variar, e pode ser consolidado em uma tabela excel ou em um sistema mais aprimorado de software. Uma vez que sistemas mais aprimorados permitem a avaliação de dados e visualização de tendências, também são facilmente acessados em casos de investigações externas. Assim, é necessário sempre delimitar direitos de acesso e respectivo conteúdo.

Na maioria dos casos, os processos de investigação podem ser conduzidos por qualquer profissional. Entretanto, estrategicamente, pode ser importante determinar que seja conduzido por um advogado, pois este possui a vantagem de arguir o benefício de privilégio de confidencialidade decorrente da relação cliente e advogado, que é obrigatório por lei. Em alguns casos, especialmente aqueles que envolvam obrigatoriedade decorrente de lei (como companhias abertas nos Estados Unidos), as organizações devem apresentar os resultados da investigação às autoridades governamentais.

Sempre um advogado especialista deve ser consultado para apoiar a empresa a identificar em quais situações e em que medida, e como e quando, essas informações devem ser prestadas ao governo, já que envolve variáveis diversas, tais como: responsabilidades decorrentes de condutas criminais, possibilidade de redução do pagamento de multas ou celebração de acordos de leniência.

Outro aspecto importante dos processos de investigação diz respeito à condução de investigações em organizações globais, pois exige o conhecimento sobre os aspectos culturais e legais de cada região.

Até o próximo artigo!

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